Apresentação

Este projeto busca explorar algumas transformações nas formas de sofrimento que se tornaram mais habituais na atualidade, partindo do fértil conceito de mal-estar, formulado por Sigmund Freud em seu texto publicado em 1930, O mal-estar na civilização. Agora, porém, já avançando na terceira década do século XXI, um olhar genealógico permite vislumbrar alguns deslocamentos históricos nesse arguto diagnóstico, tanto pela sua precisão teórica como pela terapêutica psicoanalítica cujo apogeu se expandiu ao longo do século XX.

Numa sociedade que deixou para trás as rudes táticas disciplinares, emolduradas nos pacatos tabus da ética protestante e da famigerada hipocrisia da moral burguesa, o mal-estar assume formas impensadas. Essas frustrações já não parecem decorrer dos velhos limites associados à lei que tutelava os cidadãos modernos e lhes exigia o cumprimento de severos deveres; em vez disso (ou além disso), são outras as insatisfações que hoje proliferam. De modo perturbador, esses mal-estares derivam de algo que se assume como uma conquista com relação ao ideal normalizador da sociedade moderna: as infinitas possibilidades abertas aos consumidores contemporâneos.

Do vício na conexão e na visibilidade das redes sociais da internet, até a implosão dos consensos ou a incerteza a respeito das diferenças entre verdadeiro e falso; da “polarização” moral e política ao descrédito dos critérios científicos e uma legitimação inédita da violência; do estímulo constante por tudo querer, até a frustração por nem tudo (ou quase nada) poder; da ênfase na “saúde mental” ao crescente recurso à medicalização dos mais diversos mal-estares.

Esses sofrimentos que proliferam na atualidade são tipos peculiares de angústia, situados historicamente no presente, que se intensificam de modo paradoxal numa sociedade supostamente voltada para o bem-estar, entendido como a busca do prazer individual e de uma felicidade decorrente da autorrealização.

Para promover essas discussões, este projeto aposta na capacidade do pensamento e do diálogo para ampliar o território do que se pode imaginar e, portanto, viver, recorrendo à perspectiva genealógica para tentar fugir das armadilhas das “verdades” cristalizadas em cada momento histórico. E, ainda, lança mão de uma proposta multidisciplinar e polifônica, a partir de diferentes formatos de comunicação científica: produções acadêmicas, seminários, cursos e entrevistas audiovisuais com renomados pesquisadores nacionais e internacionais. O objetivo é trazer para o campo da Comunicação importantes contribuições de outras vertentes de pesquisa para enriquecer a discussão e, também, fornecer para as áreas afins um olhar próprio e singular sobre a temática.